CONCLUSÃO

A pergunta quem matou Laura Palmer há muito que deixou de ser a premissa de um mistério ficcional para passar a ocupar um lugar definitivo na cultura popular contemporânea. Twin Peaks para sempre vai ser lembrada como o ponto fulcral a partir do qual a produção de séries de ficção norte-americanas não mais voltou a ser o que era. A influência e as modificações que operou sobre as expectativas dos espectadores em relação à oferta televisiva conduziu a uma substancial transformação na produção televisiva congénere que lhe foi subsequente. São os próprios autores de séries como X-Files, Lost, ER, Dawson’s Creek ou Prison Break que apontam o ex-libris de David Lynch e Mark Frost como o ponto de viragem sem o qual as suas criações não só não podiam chegar a ser exibidas em horário-nobre, como certamente nunca chegariam sequer a tomar a forma de ideias.

A distância entre o trabalho artístico e a produção para a grande massa dissipou-se, talvez pela primeira vez, no instante em que um corpo embrulhado em plástico surgiu, nas margens de um rio e no espírito de milhões de pessoas. Provou-se, durante os 14 meses que durou a exibição de Twin Peaks, que é possível apresentar um produto original, criativo e formalmente similar ao trabalho cinematográfico, sem que com isso se aliene o interesse dos milhões de espectadores a quem o género do episódio dramático de uma hora semanal se destina. O meio televisivo começou a motivar o interesse de homens como Oliver Stone, Steven Spielberg ou Michael Crichton, personalidades que, até essa altura, não se atreveriam a colocar a sua credibilidade em risco.

Aquilo que se escondeu sob a superfície de uma aparentemente normal cidade do interior, e a forma como tais mistérios foram apresentados ao público, pode (e deve) ser visto como um case-study da história da televisão, já que com 29 episódios foi demonstrado que, a haver vontade e excelência por parte das partes envolvidas (e aqui incluímos a audiência), não existem coordenadas ou princípios básicos da linguagem televisiva que não possam ser com sucesso contornadas. E se é certo que existem estratégias pré-definidas com as quais o género da ficção dramática seriada pretende regular a experiência televisiva do espectador, não deixa de ser verdade também que, como bem demonstrou Twin Peaks, as regras existem para serem quebradas.